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Por uma comissão independente que investigue as graves violações dos direitos humanos em Bocas del Toro por parte do Estado panamenho

À medida que as comunicações com a província de Bocas del Toro são restabelecidas, torna-se evidente a gravidade das violações dos direitos humanos cometidas sob o decreto de “estado de emergência” (estado de sítio) do governo de José R. Mulino por parte de diversas forças policiais sob a direção do ministro da Segurança, Frank Ábrego.

Tudo o que sabemos é graças às redes sociais e às imagens gravadas por particulares, bem como aos testemunhos coletados por advogados que se ofereceram voluntariamente para defender os detidos.

As denúncias são impressionantes: houve invasões de domicílios e prisões arbitrárias; espancamentos, tiros com balas de borracha, uso de gás lacrimogêneo contra pessoas que já estavam presas. Tratamento degradante às mulheres detidas. Os companheiros foram transferidos apenas de cueca e descalços para prisões em outros locais da república. Há denúncias de possíveis mortos, fatos até agora não comprovados.

Atos de repressão e barbárie como esses não eram vividos no Panamá desde o regime militar de 1968, o que prova que estamos diante da ditadura de Mulino.

Um detalhe não menos importante desses fatos sistemáticos é que eles se concentraram na população indígena, da etnia Ngäbe-Buglé, majoritária em Bocas del Toro, mas também nos indígenas Emberá, no caso da comunidade de Arimae, em Darién, cuja repressão ocorreu dias antes e terminou com a prisão arbitrária do cacique e da cacica da comunidade.

Todos esses abusos contra os direitos humanos, cometidos de forma sistemática, que se enquadram na tipologia dos crimes de “lesa-humanidade”, foram realizados com a cumplicidade ativa: da mídia de massa, que se concentrou em tratar os manifestantes como criminosos; da Defensoria Pública, que não cumpriu suas funções no momento adequado e da ambiguidade das igrejas evangélicas e católicas, que preferiram fazer-se de desentendidas ou, pior ainda, como o bispo dessa diocese, Aníbal Saldaña, que preferiu defender, em uma coletiva de imprensa, os proprietários dos comércios saqueados.

O presidente José R. Mulino tentou desqualificar a luta das comunidades indígenas dizendo que elas “não contribuíam para a Previdência Social”. A realidade é que os jovens da etnia Ngäbe-Buglé constituem a maior parte da mão de obra agrícola do país. São eles que colhem os vegetais das Terras Altas, que fazem a colheita do café e da cana-de-açúcar; são eles que cultivam a banana da Chiquita Brands e dos produtores independentes. Portanto, o Panamá deve sua alimentação a esse setor, o que lhes dá o direito de defender suas conquistas sociais.

A atitude racista do mais alto representante do Estado panamenho tem um antecedente: ele foi responsável institucionalmente pelos abusos cometidos em 2010 e 2011, na luta contra a “lei chorizo” e as reformas do Código Mineiro, onde houve mortos e pessoas cegas por tiros de balas de borracha da polícia, e que na época Mulino “justificou” alegando que os que protestavam eram “índios bêbados”.

É como se nada tivesse sido aprendido após 500 anos dos crimes da conquista espanhola e 100 anos da Revolução Dule de 1925, desencadeada por governos liberais que pretendiam “civilizar o índio” destruindo suas tradições. Hoje, como naquela época, o Estado panamenho comete todo tipo de crimes e violações dos direitos humanos contra uma população racializada e estigmatizada pela cor de sua pele e sua cultura.

É preciso lembrar que um princípio do direito nacional e internacional é que os crimes contra a humanidade não prescrevem e podem ser investigados e punidos a qualquer momento no futuro.  Por isso, nos unimos àqueles que, a partir de diversas organizações, propõem a criação de uma Comissão Investigadora Independente que reúna as denúncias de violações dos direitos humanos cometidas, principalmente em Bocas del Toro, mas que também deve ser estendida a todo o país.

As organizações populares, sindicais, profissionais e de direitos humanos de todo o país devem se unir para exigir o fim da repressão violenta lançada pelo governo panamenho em todo o país contra aqueles que saíram às ruas para defender as aposentadorias, a soberania e os direitos ambientais.

Exigimos a libertação imediata dos dirigentes sindicais presos: os da Sitraibana, começando pelo seu secretário-geral Francisco Smith, e os da Suntracs, começando por Jaime Caballero e Genaro López, assim como o fim da perseguição contra Saúl Méndez, secretário-geral, e Erasmo Cerrud, secretário de defesa. Exigimos a restituição das contas bancárias do SUNTRACS e de sua cooperativa.

Exigimos o levantamento dos processos judiciais abertos e das medidas cautelares que pesam contra centenas de ativistas estudantis, sindicais, docentes e comunitários.

Exigimos o fim da perseguição contra as professoras e professores que estiveram em greve, que seus salários sejam restituídos e que sejam anuladas as demissões ilegais da ministra Lucinda Molinar. No contexto da atitude implacável do governo de não negociar com os sindicatos em luta, consideramos legítimo que a liderança magisterial construa pontes de diálogo com setores da nova diretoria da Assembleia Nacional.

No Panamá, entre abril e julho de 2025, travou-se uma luta heróica e titânica por parte dos sindicatos de professores, do movimento operário, principalmente da construção civil e da banana, do movimento estudantil e das comunidades rurais, sobretudo as

indígenas, como as de Arimae, em Darién, e as de Bocas del Toro. É preciso parabenizar os lutadores e lutadoras que persistiram apesar da repressão e das ameaças.

Às vezes, o heroísmo não é suficiente. Infelizmente, nem todas as lutas são vencidas. E, às vezes, é necessário recuar para preservar o movimento, para esperar outros momentos que ainda virão. É preciso estar ciente de que este movimento enfrentou alguns baluartes do sistema capitalista internacional: as reformas dos sistemas de pensões, o extrativismo e o rearmamento militarista.

O movimento popular e sindical panamenho tem estado na vanguarda mundial dessa luta contra um sistema capitalista predatório e anti-humano, mas também devemos saber que há processos internacionais que, neste momento, estão a favor de Mulino e fortalecem suas políticas. Mulino faz parte de uma corrente reacionária continental e internacional, da qual provêm governos como o de Miley na Argentina, Bukele em El Salvador e Donald Trump nos Estados Unidos. A derrota desses setores ultradireitistas e neofascistas será um processo internacional, do qual o movimento popular panamenho faz parte.

Enquanto exigimos a restauração plena das liberdades democráticas no Panamá, vamos nos organizar e amadurecer um projeto político alternativo da vanguarda lutadora que prepare as condições para que, mais cedo ou mais tarde, tiremos do poder político essa elite oligárquica corrupta que nos governa.

Panamá, 6 de julho de 2025.

  • Professor Departamento de Sociologia da Universidade Nacional do Panamá.