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Lei anti-Oruam: o funk e o rap como alvos do neofascismo

O neofascismo no Brasil ganhou audiência de massas e precisa construir e fortalecer seus aparatos de produção ideológica para legitimar seu programa político, que é essencialmente de intensificação da exploração do trabalho e de reforço às estruturas de opressão e ódio a setores da sociedade que são historicamente marginalizados. Destruir tudo aquilo que questiona seus métodos, seu programa político e suas ideias é inerente e imprescindível para a sobrevivência do fenômeno político que chamamos de fascismo.

Não sem contradições, mas é notório que gêneros musicais como o Samba, o RAP e o Funk são produzidos majoritariamente por setores que ocupam historicamente os territórios de precariedade material, de violência do Estado em suas múltiplas formas: desde a negação de serviços universais como saúde, educação e saneamento, até a violência policial mais brutalizada e criminosa. É a partir dessa base material que esses gêneros — e reafirmo: não sem contradições — produzem, por essência, uma contracultura que questiona as desigualdades, a miséria e a violência policial.

Aqui fica evidente que essa produção viva e efervescente é um contraponto, com impacto nas massas faveladas, marginalizadas e violentadas que ocupam as favelas e periferias do Brasil, à política de destruição expressa no programa do neofascismo — uma política que tem como ponto fundamental o desrespeito à vida: ou mata de bala, ou deixa morrer de fome. É matar ou deixar morrer. Por isso, a direita e a extrema direita defendem como um mantra a violência policial e os crimes do Estado, e sua política econômica será sempre uma permanente luta por cortes de gastos sociais e pela destruição da estrutura de proteção social do Estado.

Como a luta política está presente em todos os aspectos da vida, o neofascismo também tem seu ritmo preferido: aquele que não questiona seu programa, que reforça seu pensamento e que é financiado pelo que há de pior, mais atrasado e mais destrutivo na nossa sociedade: o agronegócio. A batalha é de ritmos e conteúdo político e o Sertanejo dos Agroboys — faço questão de reforçar: NÃO SEM CONTRADIÇÕES — é também um instrumento que, com audiência de massas, vai disputar se a classe trabalhadora vai ouvir e cantar sobre miséria, pobreza, superação, violência policial, vida em comunidade, desafios de um jovem favelado, solidariedade de classe, companheirismo, luta antirracista (mas também pode, simplesmente — apesar de todo sofrimento, exploração e de forma completamente legítima — ser feliz a partir dos seus critérios do que é belo, da sua moral e da sua ética política, e dançar, rebolar e cantar, festejando e exaltando sua vida e suas relações sociais), ou se vai falar de qualquer outra coisa que não tenha impacto político com capacidade de questionar a miséria, a pobreza, as desigualdades e a violência policial.

É nesse cenário que a extrema direita, que sequer é capaz de suportar o sorriso no rosto de um favelado, se vê na tarefa política de, mais uma vez, criminalizar a contracultura produzida por corpos que seu programa político considera descartáveis. Eles vão da defesa intransigente da liberdade de reprodução de preconceitos, disfarçada de “liberdade de expressão”, para uma tentativa de criminalização, perseguição e censura de artistas favelados — e essa contradição é a prova cabal de que eles têm disposição de desfigurar qualquer suposto princípio de luta pela liberdade de expressão se o objetivo for calar um corpo político trabalhador, preto e favelado.

Sua arma secreta é a criminalização sistemática e seletiva dos artistas da favela, associando-os automaticamente ao tráfico e ao crime organizado — como se crescer em territórios marcados pela presença do Estado apenas pela polícia fosse, por si só, prova de culpa. Ignoram que, para quem é favelado, a “boca” está na esquina, o menino da lojinha é o vizinho, e a convivência com a violência estrutural é inevitável. Ao mesmo tempo, silenciam sobre os escândalos envolvendo artistas milionários do sertanejo, investigados por desvio de dinheiro público, lavagem de dinheiro e transações suspeitas com organizações criminosas — inclusive com ligações com o tráfico internacional e o crime organizado — protegidos por uma blindagem midiática e institucional que não se aplica aos corpos pobres, pretos e periféricos. Além disso, a tentativa de domesticar o conteúdo do Funk, somada à ação de grandes gravadoras que ignoram o acúmulo político negro e periférico e se transformam em máquinas de explorar MC’s e enriquecer empresários e vale ressaltar o pacto maldito que o Sertanejo tenta firmar para quebrar a última barreira do Funk — desassociá-lo da favela de uma vez por todas, com o que eles chamam de “Funknejo” —, é parte da estratégia política de credenciar o agronegócio e seus crimes, substituindo a crítica social pela adesão a um programa de massacre dos povos, contaminação das terras e destruição ambiental e climática.

Como tudo está em movimento, esse choque — essa perseguição política criminosa aos artistas que as favelas e periferias do Brasil escolheram como referência — reforça uma nova onda de politização de uma juventude que sofre as piores consequências do capitalismo e de suas estruturas de opressão: o patriarcado, o racismo e a desumanização de quem vive do trabalho. É nesse momento que vemos, sempre com muita referência a um patrimônio histórico deste país, os Racionais MC’s — pois essa guerra, apesar de se intensificar neste momento, não começou hoje —; Hariel enfrentando empresários do funk que se iludiram com propostas de políticos defensores do neoliberalismo; Tasha e Tracie reafirmando, além das críticas feministas e antirracistas, uma crítica anticapitalista; Oruam indo a um ato contra a violência policial, em solidariedade à família de Herus Guimarães, morto por tiros da polícia no Morro do Santo Amaro; ou MC Cabelinho buscando uma renomada professora de História para avançar na consciência sobre o seu papel social como artista; DK47 e MC Sid com o EP Dinheiro; e palestras lotadas de Thiago Torres (Chavoso da USP) — isso tudo como sintoma de um novo processo de acúmulo de forças políticas com potencial poderoso. Eu poderia citar muitos outros exemplos para ilustrar uma constatação: a juventude favelada e periférica do Brasil, provocada pelos ataques da extrema direita, está avançando em uma nova onda de politização, que já tem consciência racial e muita indignação, e que pode avançar para uma crítica anticapitalista.

É nossa tarefa, enquanto militantes de esquerda e anticapitalistas, se jogar nessa disputa e contribuir para que esse movimento político não seja cooptado por interesses da classe dominante, pois, na luta de classes, tudo está sempre em movimento — e a capacidade deles de amenizar, sabotar e destruir nossas resistências é violenta e incansável.

  • Mulher negra, mãe e avó solo, dirigente do PSOL, advogada popular e a vereadora mais votada da cidade de Santos.

  • Professor e membro da Executiva Nacional do PSOL.

  • Professor de Sociologia; fundador do Movimento Policiais Antifascistas e Coordenador Geral da Federação dos Trabalhadores do Estado da Bahia (FETRAB); Segundo colocado para Prefeito de Salvador em 2024.