A crise estrutural do capitalismo é profunda e tende a se aprofundar ainda mais. A existência de uma extrema direita organizada em nível internacional, com influência em amplos setores de massas (inclusive no Brasil) demonstra que nossos desafios são maiores do que a capacidade orgânica da esquerda em apontar um caminho de superação desse sistema em estado avançado de putrefação. Por outro lado, a debilidade do movimento organizado da classe trabalhadora, por diversas causas, tais como a reestruturação produtiva, as novas tecnologias, a ampliação da informação e a manipulação dos fatos pelas big techs, coloca o conjunto da classe em uma situação bastante difícil para partir à ofensiva contra a superexploração da força de trabalho.
Estamos em uma nova etapa da luta de classes. Muitos setores da vanguarda abandonaram os ensinamentos adquiridos ao longo dos últimos 150 anos de lutas e revoluções, derrotas e vitórias. Para quem segue acreditando na necessidade da revolução socialista, é fundamental lutar para que as novas vanguardas aprendam com os erros do passado e não abandonem os alicerces que garantiram vitórias anteriores, fundamentais para superarmos as etapas desafiadoras que temos pela frente.
Nesse sentido, o papel do partido e de seu programa não pode ser tratado como um “barquinho para atravessar a turbulência”. Pelo contrário, acreditamos que, sem uma organização política coesa, que atue como vanguarda no seio da classe trabalhadora, estaremos repetindo os erros do passado. Por isso, o debate sobre o programa é tão importante. A questão do Estado burguês, por exemplo, já foi debatida inúmeras vezes, desde que a Socialdemocracia, no início do século XX, se dividiu entre os setores que acreditavam que bastava virar maioria eleitoral e conquistar o governo, e que “por dentro” fariam as transformações (reformas) necessárias para alcançar o socialismo; e, de outro lado, os setores revolucionários, que afirmavam ser necessário um processo revolucionário capaz de destruir as instituições do Estado burguês e impor outro modelo institucional, voltado às maiorias: um Estado socialista.
Os setores revolucionários nunca negaram a importância dos processos eleitorais, mas tampouco os trataram como um fim em si mesmos. É necessário compreender a correlação de forças em cada momento, as mudanças de conjuntura e as tarefas indispensáveis para avançar a consciência coletiva de que somente a superação do capitalismo pode garantir um mundo mais justo e igualitário. A manutenção desse sistema de exploração levará, inevitavelmente, à catástrofe da civilização, com a extinção de milhões de espécies e de boa parte da humanidade.
Por isso, reafirmamos que a estratégia permanente das forças revolucionárias consiste, de um lado, na mobilização popular e, de outro, na construção de uma direção política para o movimento da classe trabalhadora. O que passa, inevitavelmente, pela existência de um partido socialista com um programa que explore as táticas e os melhores caminhos para elevar a consciência das massas e formar uma vanguarda revolucionária. Nesse sentido, a leitura correta do momento atual é fundamental para avançarmos na superação do capitalismo. Isso exige enfrentar as dificuldades concretas, sem capitular diante dos caminhos fáceis que o regime democrático burguês nos apresenta.
Mais recentemente, tivemos dois exemplos internacionais sobre os caminhos possíveis para a superação da crise desse sistema: O primeiro é o caso da Revolução Bolivariana na Venezuela, que se apoiou nas massas populares para enfrentar a oligarquia petroleira corrupta e o imperialismo. Em 25 anos, o processo radicalizou a democracia, com mais de 32 eleições, plebiscitos e referendos que determinaram mudanças profundas na distribuição de renda e na qualidade de vida do povo, apesar do bloqueio econômico dos EUA e das tentativas de golpe da extrema direita venezuelana; O segundo exemplo é a vitória de Zohran Mamdani para a Prefeitura de Nova York, uma pessoa imigrante muçulmana que se reivindica socialista, defensor da Palestina e que enfrenta cotidianamente as políticas neofascistas de Trump.
São exemplos distintos, mas que apontam para o resgate das melhores tradições do socialismo, e que o PSOL precisa acompanhar e estudar para rever escolhas equivocadas, que vêm levando o partido a uma acomodação nos marcos institucionais do regime falido da democracia burguesa e de seu projeto neoliberal de ataques aos direitos da classe trabalhadora, como é o caso do arcabouço fiscal apresentado pelo governo Lula.
Vivemos, no Brasil e em várias partes do mundo, uma etapa muito difícil para o conjunto da classe trabalhadora. A situação exige maior comprometimento com mudanças estruturais e uma postura verdadeiramente antissistêmica, mas não a de gestoras e gestores do regime das oligarquias corruptas e criminosas da Faria Lima e dos bolsonaristas de plantão. Aqui, o Partido dos Trabalhadores (PT) deixou de cumprir um papel progressivo no sentido de elevar a consciência da classe trabalhadora para a superação do capitalismo. O PT tornou-se um gestor de crises, abandonando a mobilização popular como eixo central da transformação social e se voltando exclusivamente aos processos eleitorais, sem um programa capaz de servir de instrumento político que dê coesão e sentido à luta dos amplos setores da classe.
A extrema direita aposta na radicalização das relações sociais, e utiliza o medo para conquistar adeptos ao seu projeto, mesmo que esse projeto seja contrário aos interesses das massas populares e empobrecidas da sociedade. O seu objetivo central é fechar o regime, ganhando ou perdendo as eleições. Já os partidos da burguesia tradicional, sem exceção, são neoliberais e “oligarcas”, respondendo, em última instância, aos interesses do capital financeiro internacional. Todos apoiaram o golpe de 2016 contra Dilma Rousseff, as contrarreformas da Previdência e a trabalhista, e surfaram no prestígio da Operação Lava Jato, que tinha como um de seus objetivos a prisão de Lula.
O governo Bolsonaro foi o resultado desse processo, que segue em aberto, mesmo com as articulações de Lula na composição da chamada “Frente Amplíssima”. De um lado, o chamado “centrão”, com os partidos tradicionais da burguesia, aplica o neoliberalismo contra o povo, mesmo integrando o governo Lula. De outro, a extrema direita continua fustigando o regime e suas instituições, em aliança com os interesses do imperialismo norte-americano.
Poderíamos dizer que o governo Lula está sendo chantageado, mas por quê? Se o próprio governo apresentou um programa de aprofundamento do neoliberalismo, com o arcabouço fiscal de Haddad, a indicação de um presidente do Banco Central alinhado às diretrizes do sistema financeiro e o abandono das políticas de reformas estruturais, como a reforma urbana e a agrária? A política de demarcação de terras dos povos originários e quilombolas segue paralisada. O absurdo financiamento ao agronegócio e a complacência com os agrotóxicos continuam, como se esse setor não tivesse participado das tentativas de golpe contra o Estado democrático de direito e dos planos de assassinato do presidente, da vice-presidência e de ministras e ministros de Estado.
Todas as políticas do governo Lula, mencionadas acima, são exigências da burguesia nacional e internacional. Inclusive, o abandono da mobilização popular por parte do petismo faz parte de um acordo velado de Lula com a burguesia tradicional, e sequer o “revogaço” prometido por setores que o apoiavam chegou a ser ensaiado.
Aqui entra o papel do PSOL, que surgiu como oposição às políticas do primeiro governo Lula. O objetivo central de sua construção foi manter as bandeiras da coerência e do compromisso com a classe trabalhadora. Em seu programa de fundação, ficou demarcado que sua estratégia é o socialismo democrático, portanto, o PSOL não é, e não deve ser, um partido da “ordem”, como o PT se tornou.
No Congresso do partido, aprovamos uma resolução específica sobre o terceiro governo Lula, na qual abrimos exceção para a composição de Sônia Guajajara no ministério, entendendo tratar-se de um caso excepcional de representação dos povos originários em um governo que havia enfrentado eleitoralmente o bolsonarismo e suas tentativas de golpe.
Nós, do Fortalecer o PSOL, acreditamos que a entrada de Guilherme Boulos no ministério de Lula, sem qualquer debate político e sem proposta programática é, em primeiro lugar, um desrespeito às resoluções do Congresso do partido. Em segundo lugar, entendemos que reflete mais as ambições pessoais do deputado Guilherme Boulos, do que uma preocupação com o futuro do PSOL ou da esquerda como um todo. Em terceiro lugar, temos a convicção de que Boulos poderia cumprir um papel muito mais progressivo nas lutas sociais e reivindicatórias da classe trabalhadora, do que como gestor de um governo com tantas limitações, como é o caso de qualquer governo de Frente Amplíssima, produzido pela história.
Nesse sentido, a Venezuela e o futuro prefeito de Nova York, Zohran Mamdani, demonstram que é possível e necessário resgatar a tradição revolucionária. As escolhas de Boulos, alimentadas por uma posição unilateral de se forjar como substituto do Lulismo, não sinaliza para uma substituição ao lulismo que supere a conciliação com a elite econômica e enfrente a extrema direita com os instrumentos de luta pautados na organização popular. Ao contrário, sinaliza para uma alternativa meramente eleitoral, submetida a permissão e sob a direção da burocracia petista, e com a flagrante intenção de submeter o PSOL a essa mesma lógica. Por isso, chamamos o conjunto da organizações políticas e a militância que tem responsabilidade e compromisso como PSOL socialista, a unir forças em defesa do nosso partido!
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Corrente interna do PSOL







