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Donald Trump e o Panamá: De volta a 1903?

Para a ideologia imperialista ianque, os Estados Unidos são o equivalente moderno do Império Romano, e cada presidente norte-americano deve se apresentar, assim como os antigos césares, como conquistador de algum território e massacrador de algum povo “bárbaro”. Donald Trump não pretende ficar atrás nesse objetivo, de modo que, em seu discurso de posse, estabeleceu como meta a “conquista” do Panamá – o equivalente à Gália de Júlio César, em sua imaginação.

Para tornar sua pretensão ainda mais grandiosa, tentou convencer o público norte-americano de que o pequeno istmo do Panamá e seu canal haviam sido tomados pelo maligno poder militar de sua potência rival, a China. Ele afirmou que os governantes corruptos do Panamá (essa parte é verdadeira) receberam de presente o Canal do Panamá, construído por eles, em troca de um dólar (falso), e que sua administração foi transferida para o império chinês (parece uma piada; no Panamá, as pessoas deram risada).

Como bom publicitário, mais do que guerreiro, Donald Trump precisava dar alguns golpes de efeito que parecessem uma grande vitória, quando na verdade ele estabeleceu um objetivo fácil. Em vez de agir como Júlio César, que conquistou a Gália, Trump agiu como Calígula, que fingiu conquistar a Britânia, mas se contentou em recolher conchas do mar da costa francesa para apresentá-las como prova de seu triunfo.

Assim, ciente da corrupção, docilidade e covardia do governo panamenho, liderado por José Raúl Mulino (presidente da república panamenha de legitimidade questionável), ele enviou primeiro sua tropa de choque encabeçada por Marco Rubio, secretário de Estado. Rubio apenas mostrou os dentes e já conseguiu que o presidente panamenho rompesse o acordo da Rota da Seda com a China, declarasse o congelamento das relações com esse país, aceitasse receber migrantes expulsos dos Estados Unidos e até mesmo uma base militar em Darién.

Com o terreno já preparado, Donald Trump enviou ao Panamá, na segunda semana de abril, seu centurião: Pete Hegseth, secretário de Defesa. Com orgulho, este levou a Washington um Memorando de Entendimento. Tal memorando concede aos Estados Unidos três bases militares às margens do Canal do Panamá.

Revivendo instalações militares extintas em 1999 graças à luta de gerações do povo panamenho, que resultou nos Tratados Torrijos-Carter de 1977. As bases militares cedidas pelo governo de Mulino e por seu ministro da Segurança, Frank Ábrego, são:

1. A base aérea de Howard, que havia sido renomeada como tenente Octavio Rodríguez – herói panamenho assassinado pelas tropas norte-americanas durante a invasão de 20 de dezembro de 1989 – representa uma ofensa à memória dos mortos naquela agressão do exército dos Estados Unidos ao Panamá, que deixou mais de 500 mortos, segundo dados oficiais.

2. A base naval de Rodman, renomeada como Vasco Núñez de Balboa e capitão Noel A. Rodríguez, está localizada no setor oeste da entrada do canal, exatamente em frente ao porto de Balboa, administrado (até agora) pela empresa chinesa Panamá Ports.

3. A base aeronaval de Sherman, que havia sido rebatizada como Cristóvão Colombo, inclui aeroporto, porto e um campo de tiro, e está situada no setor oeste do lado caribenho do canal, em frente à cidade de Colón e ao porto de Cristóbal (também administrado pela empresa chinesa Panamá Ports).

4. Além disso, por meio de uma Declaração Conjunta – cujo texto ainda não veio a público – assinada pelo ministro do canal, José Icaza, e por Hegseth, Trump conseguiu o livre trânsito de embarcações da marinha dos Estados Unidos pelo Canal do Panamá, a um “custo neutro” para o Panamá (embora ninguém saiba ao certo o que isso significa).

5. Um presente adicional para Trump foi a auditoria realizada pela Controladoria Geral da República do Panamá sobre o contrato com a empresa chinesa Hutchinson, responsável pela administração dos portos de Balboa e Cristóbal. A auditoria foi divulgada no mesmo dia da chegada de Pete Hegseth e revelou abusos econômicos contra o Panamá – semelhantes aos cometidos por outros portos e empresas transnacionais que operam no país –, o que pode levar à anulação da concessão.

Mulino e seus ministros tentam enganar o povo panamenho dizendo que o Memorando fala em respeito à “soberania” panamenha e que não menciona o termo “base militar”. No entanto, uma base militar continua sendo uma base militar se, como afirma o item 1 do Memorando: “… militares e civis contratados dos EUA poderão utilizar os locais autorizados, as instalações e áreas designadas para oferecer treinamento, realizar atividades humanitárias, conduzir exercícios, visitas, armazenar ou instalar bens dos EUA, e quaisquer outras atividades, conforme definido mutuamente pelas Partes.” Tudo isso, sem nenhum custo para os Estados Unidos (item 5).

O item 2 menciona o aprofundamento da “relação em matéria de segurança” para “enfrentar desafios de segurança compartilhados”, sem especificar quais seriam esses desafios. Contudo, em suas declarações, Hegseth deixou claro que o desafio a ser enfrentado era a China.

Embora o item 6 afirme que a segurança primária nessas áreas cabe ao Panamá, o item 7 determina que “certas seções das instalações e áreas designadas para uso de militares norte-americanos” só poderão ser acessadas pelas forças de segurança panamenhas mediante “notificação prévia”.

O item 11 do Memorando estabelece que militares e “bens” dos EUA – incluindo veículos, embarcações e aeronaves – devem permanecer sob controle dos EUA, inclusive no que diz respeito aos resíduos gerados por algum incidente ou acidente…”

Cabe ressaltar que, em seu preâmbulo, o Memorando fundamenta-se no intercâmbio de notas denominado “Acordo entre o Governo da República do Panamá e o Governo dos Estados Unidos da América relativo à condição de militares dos Estados Unidos que possam estar temporariamente presentes no Panamá”, assinado em 15 e 20 de setembro de 2022, bem como no “Acordo de Aquisição e Prestação Recíproca de Serviços (US-PA-01)” entre o Ministério da Segurança Pública do Panamá e o Departamento de Defesa dos Estados Unidos da América, firmado em 28 de junho de 2019 (o ACSA).

Isso demonstra que a traição aos Mártires de 9 de Janeiro de 1964, que lutaram sob o lema “Bases, não”, já havia começado com os governos de Juan Carlos Varela (Panameñista) e de Laurentino Cortizo (PRD). A política de retorno da presença militar norte-americana no canal começou a ser executada pelo governo democrata de Joseph Biden e não é exclusividade de Donald Trump.

Trump marca uma primeira vitória aparentemente fácil, com o apoio de um governo servil e submisso como o de Mulino.

Com isso, Donald Trump busca emular o presidente William McKinley, a quem fez referência em seu discurso de posse em 20 de janeiro passado. Foi McKinley quem declarou guerra à Espanha, em 1898, tomando suas últimas colônias – Cuba, Porto Rico, Filipinas e Guam – e transferindo-as ao controle dos Estados Unidos, para transformar o país em uma potência extracontinental.

Esse movimento colocou o Panamá como um objetivo estratégico dos EUA, com o intuito de construir um canal que permitisse à sua marinha “defender” seus interesses imperialistas em ambos os oceanos. McKinley acabou assassinado, e coube ao seu sucessor, Theodore Roosevelt, completar o projeto de expansionismo imperialista no Istmo do Panamá.

Muitos panamenhos e panamenhas desconhecem que Roosevelt forçou a separação do Panamá da Colômbia, em 3 de novembro de 1903, por meio de uma invasão militar com mais de 10 couraçados e milhares de soldados, para impor o Tratado Hay–Bunau Varilla. Depois, ainda se gabou dizendo: “Eu tomei o Panamá”.

Por ora, Donald Trump exibe sua pequena vitória, mas o povo panamenho começa a tomar consciência da traição consumada por Mulino. Inicia-se a mobilização em defesa da soberania nacional, pisoteada pelo imperialismo ianque e pelos traidores da pátria. Nosso povo encontrará inspiração nas gerações que nos precederam, como os Mártires de Janeiro de 1964, que enfrentaram as balas dos ianques ao grito de: BASES, NÃO!

  • Professor Departamento de Sociologia da Universidade Nacional do Panamá.