A realização da COP30 em Belém do Pará, em 2025, carrega um significado histórico: pela primeira vez uma Conferência do Clima da ONU será sediada na Amazônia, território símbolo da crise climática e, ao mesmo tempo, guardião de possibilidades de futuro. Porém, a experiência acumulada das últimas conferências mostra um obstáculo recorrente: a dependência das decisões das grandes potências, em especial dos Estados Unidos. Porém, esta COP30 terá um diferencial: sua ausência. Os EUA sempre tiveram muito peso, travaram acordos mais ambiciosos ou transformaram as negociações em arenas de interesse corporativo, vinculadas a petróleo, agronegócio e mercado financeiro.
Esta COP30 traz desafios de partida. Os EUA mudaram a política. É um governo de ultradireita que não está preocupado com nenhum acordo internacional, a menos que seja muito benéfico a eles e que fortaleça e recupere sua hegemonia econômica e financeira. Com esta orientação, o melhor desfecho é que não estejam mesmo na COP30, pois seriam um elemento de restrição e perturbação dos diálogos. Sendo assim, abre-se a possibilidade de novos arranjos globais, parcerias diferenciadas sem o hegemonismo americano. No entanto, aumentam os desafios e responsabilidades que possibilitam construir articulações fortes das nações e dos povos do Sul Global. Assim, podemos propor, aprovar e financiar caminhos próprios para a transição climática e autodeterminação das nações, sem as restrições e chantagens das grandes potências imperialistas.
Nesta COP30 e neste cenário, o movimento sindical pode e deve ter um papel importante. Na sua essência, é um movimento de resistência e de luta por direitos, mas ele pode ser mais que isso. Pode influenciar e disputar como a sociedade se organizará para efetivar a transição climática que interessa à classe trabalhadora.
Surgem respostas que estão sendo construídas coletivamente. Um exemplo de construção é a realizada pelo Sindicato Químicos Unificados que, a partir de definições nos seus fóruns, entendeu que é preciso dar uma singela contribuição. O intuito é se somar e construir um movimento da classe que busca combater o capitalismo, que leva o povo à barbárie e o planeta à destruição. Nós não podemos apenas reagir dentro deste sistema autodestrutivo.
Vivemos uma crise mundial. Ondas de calor, mudanças climáticas, queda na produção de alimentos. A forma tradicional de produção de alimentos acaba necessitando de mais adubos químicos, agrotóxicos e água. Com a escassez e dificuldade, ocorre o aumento da fome e sofrimento humano.
O capital e as grandes corporações reagem reafirmando o que já sabemos: eles não têm pátria, não têm cara, não têm continente. Necessitam incessantemente de mais: mais-valia, lucro, acumulação, destruição dos menores e concentração de riquezas, seja onde for.
Nesse cenário, nossas definições são contribuir com a agroecologia e com a economia solidária, combinadas com sistemas e tecnologias que levem à geração de renda, negócios sociais e regeneração climática.
Ou seja, eixos estratégicos para construir alternativas de baixo carbono, com justiça social, protagonismo popular, sistema autogestionário e uma nova consciência social.
Agroecologia como resposta à crise e regeneração climática
A agroecologia vai além de um modelo agrícola: trata-se de uma proposta civilizatória que integra produção de alimentos, preservação da biodiversidade e fortalecimento das comunidades. Nas negociações climáticas, muitas vezes a agricultura é vista apenas como emissora de gases de efeito estufa. No entanto, experiências de camponeses, povos indígenas e comunidades tradicionais mostram que é possível produzir alimentos saudáveis regenerando solos, florestas e ciclos da água, gerando renda e partilhando tudo que é produzido coletivamente, sem a acumulação capitalista e construindo meios de produção coletivos.
Se os EUA e a Europa apostam em pacotes tecnológicos controlados por corporações, a América Latina, Caribe e Ásia podem apresentar a agroecologia como resposta sistêmica: ela sequestra carbono nos solos, promove soberania alimentar e reduz a dependência de agrotóxicos e combustíveis fósseis. Tudo isso gera renda, possibilita uma economia solidária e uma nova cadeia produtiva solidária. Na COP30, defender a agroecologia significa também garantir espaço para o protagonismo das populações amazônicas, da agricultura familiar, do associativismo e cooperativismo, que preservam os recursos naturais e a floresta por séculos.
Devemos estabelecer um processo negocial de fato com quem produz alimentos no Brasil e no mundo — em vez de commodities, que é o agronegócio. Devemos confluir para construir um fundo global que incentive a agricultura familiar, que gere trabalho e renda, e que garanta a produção de alimentos orgânicos e agroecológicos baseada no cooperativismo, associativismo e economia solidária.
Economia Solidária e novas finanças climáticas
Outro ponto crucial é romper com a lógica dos mercados de carbono dominados pelo sistema financeiro global. A chamada “financeirização da natureza”, ou passe livre para poluir com compras de créditos de carbono, é promovida por bancos de Wall Street e fundos de investimento, que viram na crise climática uma oportunidade de ganhar mais dinheiro, sem mudar a estrutura produtiva e a consciência social.
A economia solidária oferece uma alternativa real. Por meio de cooperativas, associações, bancos comunitários e moedas sociais, é possível criar mecanismos de financiamento climático descentralizados, voltados às comunidades e não às grandes corporações. Esse modelo não só democratiza os recursos, como garante que a transição seja de fato solidária e justa, gerando trabalho e renda para quem mais sofre com os impactos das crises sejam elas econômicas, sociais e climáticas, etc.
Na COP30, os países latino-americanos, caribenhos e africanos podem propor a criação de um Fundo Popular para a Transição Climática, abastecido não apenas por governos, mas também por redes de solidariedade, comércio justo e finanças éticas. Essa seria uma maneira de quebrar a dependência histórica dos compromissos financeiros não cumpridos pelas potências do Norte, em especial os EUA.
Precisamos de regeneração climática. A sustentabilidade não dá mais conta, dado o nível de destruição. Precisamos de um NOVO PACTO GLOBAL de neutralidade de carbono, economia circular e logística reversa em todos os setores de produção. Um pacto que crie consciência social sobre a necessidade de reduzir o consumo e construir bens duráveis, banir a obsolescência programada e eliminar os valores de não uso dos produtos.
Não podemos mais nos enganar. Chega de debates climáticos internacionais e locais que se limitam à “neutralidade de carbono”, uma meta que legitima compensações falsas, como plantar monoculturas de eucalipto para justificar emissões contínuas de petróleo e carvão. A nossa perspectiva e a da COP30 têm que ir além. Devem colocar no centro a ideia de regeneração climática e a redução do consumo, com uma mudança no padrão de vida. O slogan deve ser: “consumir menos, trabalhar menos e viver mais”.
Regenerar significa restaurar ecossistemas, recuperar solos degradados, revitalizar rios e promover modos de vida que ampliem a resiliência comunitária frente às mudanças do clima. Não se trata apenas de zerar emissões, mas de reparar danos históricos causados por séculos de exploração colonial e extrativismo predatório.
Nesse sentido, a Amazônia pode ser o espaço simbólico e prático para lançar uma agenda da regeneração, articulando saberes científicos e tradicionais. Povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos devem ser reconhecidos como guardiões desse processo, não como “populações vulneráveis”, mas como sujeitos políticos e parceiros estratégicos.
Soberania dos Povos e integração regional
Para que essas saídas se concretizem, é necessário fortalecer tanto as articulações oficiais quanto as articulações dos povos. A América Latina, via CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América) e OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica), pode formar um bloco de negociação que retire os EUA do centro e coloque o bioma amazônico como eixo comum. Ao mesmo tempo, movimentos sociais, movimento sindical, movimentos de juventudes, movimentos ambientais e climáticos e redes agroecológicas devem ocupar os espaços preponderantes, paralelos e articulados à COP30, construindo uma Agenda dos Povos, da economia solidária e que de fato vise à regeneração do clima.
Essa articulação popular garante que a agroecologia, a economia solidária e a regeneração não fiquem apenas como retórica, mas se tornem compromissos reais assumidos por governos, com protagonismo popular e monitorados pela sociedade.
A COP30 em Belém do Pará não pode repetir a lógica das conferências anteriores, em que os interesses das potências determinam os rumos do planeta.
Ao contrário, deve ser um marco da virada: uma COP do Sul Global, da Amazônia e dos povos, que apresente ao mundo caminhos de saída sem a centralidade dos EUA.
A partir da agroecologia, da economia solidária e da regeneração climática, é possível construir uma transição solidária e justa, que enfrente simultaneamente as crises ambiental, social e econômica. Se a Amazônia for reconhecida não como fronteira de exploração, mas como coração de um novo paradigma, a COP30 poderá inaugurar uma era em que a vida — e não o lucro — seja o centro das decisões climáticas.
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Sanitarista Ambiental, da Secretaria de Economia Solidária e Agroecologia da Intersindical, secretário geral da Fetquim – Federação do Ramo Químico de São Paulo, da coordenação do Sindicato Químicos Unificados e Rede Livres Agroecologia.