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Balanço Político – Seminário “Marxismo Negro: negros e negras pensando o Brasil”

Realizado no último final de semana, o seminário foi um espaço fundamental de acúmulo e formulação política para o PSOL. Em um país negro, onde o racismo estrutura as relações sociais, econômicas e políticas, construir um partido verdadeiramente antirracista é tarefa central para qualquer projeto socialista com enraizamento popular.

A escolha do nome do seminário já carrega em si uma afirmação política: não se trata apenas de incluir vozes negras nos espaços do partido, mas de reconhecer que pensar o Brasil a partir da perspectiva negra é condição indispensável para a construção de um programa de transformação radical. Assim como afirmavam Lélia Gonzalez e Clóvis Moura, intelectuais negros que fizeram grandes contribuições ao marxismo, o racismo é uma das principais formas de exploração no Brasil e, por isso, deve ser enfrentado como eixo estruturante da nossa ação política.

Nesse sentido, o seminário representa mais um passo no processo de consolidação do PSOL como um partido que compreende a composição plural da classe trabalhadora brasileira — formada por pessoas negras, mulheres e LGBTQIA+. E essa compreensão precisa ultrapassar a esfera da representação simbólica ou eleitoral. Não basta eleger figuras negras: é preciso que a luta antirracista atravesse o conjunto do programa, das análises de conjuntura e das propostas políticas do partido.

Dada sua importância e o momento estratégico em que foi realizado, com o partido debruçado sobre a atualização do seu programa, era de se esperar que o seminário fosse um espaço mais amplo e plural. No entanto, acabou sendo um dos eventos mais restritos do partido nos últimos tempos. Um encontro com essa potência política precisava ser maior, tanto em termos de participação de convidados externos quanto de filiados, para fortalecer a construção coletiva de um partido radicalmente antirracista e popular, à altura dos desafios colocados pela conjuntura.

Apesar do nome do seminário, foi decepcionante que grande parte das organizações presentes não tenha demonstrado disposição de enfrentar os temas centrais da realidade brasileira a partir da perspectiva do povo negro, esquivando-se de se posicionar de forma clara sobre o arcabouço fiscal e o ataque ao BPC — ambos decorrentes de uma política econômica racista que aprofunda desigualdades e atinge diretamente a população negra. Muitos se apequenaram, concentrando o tempo em um debate setorial.

A renovação do programa do partido e o tema do marxismo negro exigiam que temas estruturais fossem tratados com mais profundidade e responsabilidade. É inadmissível que um seminário com essa centralidade tenha contado com a presença de tantas tendências do partido, mas não tenha conseguido afirmar o óbvio: que o debate econômico e orçamentário no Brasil é racializado e que defender os direitos sociais da população negra é uma tarefa de toda a esquerda socialista.

Nos debates dos Grupos de Trabalho, o acúmulo foi potente, incluindo o importante encaminhamento de que encontros para análise de conjuntura aconteçam periodicamente. No entanto, um lamentável retrocesso tomou o tempo do GT “Genocídio Negro e Criminalização da Pobreza: Violência Policial e Encarceramento em Massa”. Militantes da Revolução Solidária presentes no grupo colocaram não haver consenso sobre a prioridade e a forma como enquadramos a luta pelo fim da militarização da polícia.

Por trás das intervenções que diziam apontar um avanço no debate, está, na verdade, a relativização de um tema tão caro ao nosso povo. Com argumentos como a dificuldade de debater o tema com a população pobre que tem seus aparelhos celulares roubados constantemente, essas falas revelam uma lógica política perigosa: a de adaptar nossas lutas ao cálculo eleitoral e à régua institucional. Militantes de diversas tendências se posicionaram contra, inclusive integrantes da Primavera, aliada de primeira hora da Revolução Solidária.

Nós não temos dúvidas: a desmilitarização da Polícia Militar deve ser uma bandeira inegociável para qualquer projeto de esquerda comprometido com a vida da população negra. Abrir diálogo com quem vive na pele a violência cotidiana do Estado — e enfrentar a disputa de consciência travada pelo neoliberalismo por meio das igrejas neopentecostais — é parte da nossa luta.

O Brasil é negro. O povo é negro. E o nosso socialismo, se quiser ser enraizado, precisa expressar radicalidade à altura da realidade cruel e perversa que nosso povo enfrenta.

  • Professor e membro da Executiva Nacional do PSOL.

  • Professor de Sociologia; fundador do Movimento Policiais Antifascistas e Coordenador Geral da Federação dos Trabalhadores do Estado da Bahia (FETRAB); Segundo colocado para Prefeito de Salvador em 2024.

  • Historiadora e militante do PSOL.