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SEGUE O BAILE: dos crimes de abril ao Poze do Rodo

“Diversão hoje em dia
não podemos nem pensar,
pois até lá nos bailes,
eles vêm nos humilhar.”

Rap da Felicidade

As favelas e o estado

As favelas do Brasil, em geral, acumulam sentimentos de desprezo e revolta em relação às ações do Estado. Nesses territórios, falta quase tudo — menos a violência policial. A presença do Estado é expressa principalmente por meio da repressão, da violência extrema e da violação constante das leis. Nas favelas do Brasil, parte significativa dos crimes cometidos se origina da própria polícia, que atua sistematicamente na ilegalidade.

O braço armado do Estado, suas polícias, são sempre os primeiros a agir como se na favela a lei fosse outra. Invadem casas sem mandado, espancam, torturam e, muitas vezes, aplicam uma pena que não existe na Constituição brasileira, a pena de morte. É um Brasil onde os métodos da ditadura militar nunca acabaram. Diante dessa realidade, a favela reage, constrói suas próprias referências, estabelece seus códigos, sua moral, seus heróis e heroínas, sua cultura e define quem merece respeito. A favela, povoada por trabalhadores e trabalhadoras que constroem e sustentam a riqueza deste país, teme a polícia. Crianças que crescem nos becos e vielas aprendem, desde cedo, a temer a viatura. Minha avó sempre me dizia, quando eu era moleque: “Ouviu barulho de polícia? Corre pra dentro de casa.”

Tentaram tipificar o Funk como crime

No Brasil, a chamada guerra às drogas se traduz, na prática, como uma verdadeira e multifacetada guerra aos pobres; parte disso é criminalizar suas expressões culturais e aqui a tentativa sistemática de brecar o baile se instala, ou seja, a criminalização do funk e a tentativa de destruir os MCs se tornam um espetáculo midiático e escancaram a violência e o racismo estrutural.

A luta contra a criminalização do funk do Brasil é parte de uma luta maior: a luta contra a criminalização da pobreza, e a luta contra a criminalização da pobreza é, obviamente, luta de classes. Tentativas de legislação para criminalizar o funk já foram feitas em todas as esferas legislativas do país; essas tentativas foram desde restringir e inviabilizar o baile funk até tipificar o funk como crime, classificando-o como “crime contra a saúde pública” e “crime de apologia ao crime”.

A direita brasileira, que é, em última análise, a representação da classe dominante, nunca deu paz às favelas e ao funk. A perseguição ganha novos contornos, mas está sempre ali. Na maioria das vezes, a indignação popular impede que esses projetos de lei sejam aprovados, mas a tentativa de criminalizar via regulamentações excessivas, exigências que inviabilizam a realização dos bailes e a associação permanente do funk com tráfico e violência estão sempre presentes para serem usadas como palanque político, sempre por parlamentares que vivem completamente alheios à realidade do povo brasileiro.

Execuções e prisões: as armas deles

A história do funk no Brasil é impossível de ser contada sem os inúmeros episódios de violência policial; um dos mais marcantes episódios ficou conhecido como “Crimes de Abril”. Não foram apenas atos isolados de violência policial; foram uma tragédia que expôs, de forma brutal, o racismo estrutural e a criminalização da juventude negra e periférica.

A Baixada Santista, palco da brutalidade dos Crimes de Abril, que já vivia o intenso movimento cultural do funk, viu seus principais artistas serem mortos de maneira violenta, deixando um vazio e uma marca profunda de angústia e indignação. Mortos em anos diferentes, mas sempre em abril, mês marcado pelo dia da Polícia Militar. Felipe Boladão, MC Careca, Duda do Marapé, MC Primo e DJ Felipe foram assassinados por grupos de extermínio.

A opressão que marcou os Crimes de Abril e a recente prisão de MC Poze do Rodo revelam um padrão contínuo de criminalização e repressão direcionada à juventude negra e periférica no Brasil. Enquanto os Crimes de Abril evidenciaram a violência estatal brutal, com execuções sumárias, a prisão midiática e violenta de Poze reflete a perpetuação dessa lógica, onde manifestações culturais legítimas, como o funk, são tratadas como ameaças à ordem pública. 

O Brasil, massacrado pela pobreza, miséria e abandono; o Brasil que sofre com um racismo escancarado; o Brasil explorado, cansado, exausto por escalas de trabalho abusivas, chora até hoje com as execuções daqueles que cantaram sua realidade. E esse mesmo Brasil foi receber, com lágrimas nos olhos e braços abertos, o Poze do Rodo ao ser liberado da prisão e, mais uma vez, foi recebido com tiros de bombas. Que Poze possa responder às investigações com a dignidade que a lei prevê, sem espetáculo midiático racista, mas vale lembrar: os assassinos de Abril nunca pagaram por seus crimes e que a lavagem de dinheiro ligada ao sertanejo bolsonarista, defensor do agronegócio e da destruição ambiental, nunca recebeu o mesmo tratamento.

Apesar disso tudo, a favela resiste, o funk tá de pé e segue baile…

  • Mulher negra, mãe e avó solo, dirigente do PSOL, advogada popular e a vereadora mais votada da cidade de Santos.

  • Professor e membro da Executiva Nacional do PSOL.