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Ainda Estamos Aqui: a ditadura e a perseguição à Convergência Socialista no Pará

A ditadura militar brasileira, que perdurou de 1964 a 1985, é lembrada como um dos períodos mais sombrios da história do país, marcado por censura, repressão política e sistemáticas violações dos direitos humanos. Naquele cenário, organizações de esquerda, como a Convergência Socialista (CS), foram intensamente perseguidas. Um dos episódios mais emblemáticos ocorreu em Belém do Pará, onde oito jovens militantes de esquerda foram presos, processados e julgados por um tribunal militar, com suas vidas inserindo-se em um contexto de resistência cívica que merece ser lembrado.

No final da década de 1970 a mobilização da CS em prol de um novo partido de esquerda despertou a atenção do regime militar, que decidiu intervir, prendendo líderes da organização. Um dia após a I Convenção Nacional da CS, realizada em 20 de agosto de 1978 em São Paulo, 24 militantes, incluindo a maioria do Comitê Executivo, foram detidos, entre eles Nahuel Moreno, dirigente da IV Internacional.

Após mobilizações em todo o Brasil, Moreno foi expulso do país e enviado à Colômbia, evitando uma extradição fatal para a Argentina. No entanto, dez dirigentes da CS permaneceram encarcerados até dezembro, indiciados na Lei de Segurança Nacional.

A polícia política do regime monitorava a CS desde sua origem. Durante o primeiro semestre de 1978, a organização atuava em condições semilegais, o que conferia uma aparente normalidade aos jovens militantes. Motivados pela mobilização operária, decidiram realizar uma convenção e propor a legalização de um novo partido classista.

José Maria de Almeida, o Zé Maria, militante da CS, apresentou, durante o Congresso dos Metalúrgicos de São Paulo em janeiro de 1979, a moção a favor da criação de um “partido de trabalhadores sem patrões”. Lula, principal líder operário da época, que se opusera à formação de um partido, passou a apoiar a proposta.

O Crescimento da CS em Belém

No início da década de 1980, o Brasil vivia um intenso período de efervescência política. As mobilizações contra o regime militar se intensificaram, impulsionadas por greves no ABC paulista e por movimentos estudantis. Em Belém do Pará, a juventude secundarista destacou-se na luta por direitos, especialmente na campanha pela meia-passagem. Em 1981, o GREMPS (Grupo de Resistência dos Estudantes Secundaristas) emergiu como um dos principais articuladores dessas lutas, levando muitos a se unirem à Convergência Socialista.

A CS, com sua inspiração trotskista, rapidamente se tornou relevante em Belém. Através do jornal “Alicerce da Juventude Socialista” e da participação em oposições sindicais, o grupo atraiu a atenção da repressão. As ações da CS, que incluíam a organização de greves e campanhas eleitorais — como a candidatura de Bernadete Menezes, a segunda mais votada pelo PT em 1982 — representavam uma ameaça ao status quo local e ao regime. Junto com Francisco (Chico) Cavalcante e Fernando Carneiro, Bernadete fazia parte da direção nacional da CS.

A Invasão da Sede da CS

Fundada em 1978, a Convergência Socialista decidiu expandir suas atividades na Amazônia, atraída pelo dinamismo do movimento estudantil e pela influência do comunismo não-stalinista de Leon Trotski na juventude de vanguarda, especialmente nas universidades.

Inserido nesse caldeirão social, o grupo cresceu. E fez barulho. Assim, em fevereiro de 1983, a sede da Convergência Socialista em Belém foi invadida pela Polícia Federal em uma operação que durou 11 horas. Armados, os agentes detiveram militantes, “ficharam” estudantes e apreenderam materiais de propaganda política considerados “subversivos”. A invasão ocorreu em um momento de crescente organização da juventude socialista, que preparava uma reunião para a formação de chapa para o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal do Pará (UFPA).

A Lei de Segurança Nacional foi um instrumento utilizado para silenciar dissidentes e criminalizar organizações que se opunham ao regime militar.

Mais de 50 ativistas foram “fichados”, e 16 militantes da CS foram convocados a depor. Oito deles findaram indiciados na Lei de Segurança Nacional: Bernadete Menezes, João Batista (Babá), Francisco (Chico) Cavalcante, Fernando Carneiro, Carlos Vinícius Teles, Luziu Horácio, Maristela dos Santos e Conceição (Concha) Menezes. Foram acusados de incitar a subversão da ordem política e organizar partido clandestino, com penas que variavam de 8 a 30 anos de prisão, em um tribunal militar.

Os militantes Francisco (Chico) Cavalcante, funcionário da Editora da UFPA, Conceição (Concha) Menezes e Carlos Vinícius Teles, trabalhadores do setor bancário, foram demitidos logo após a divulgação das acusações.

Monitoramento, Vigilância e Repressão

Diferentemente do que se acredita, a ação da Polícia Federal não foi um episódio isolado, mas resultado de um monitoramento sistemático das atividades políticas na região, que antecedeu a própria fundação da CS no Pará. Relatório confidencial do Serviço Nacional de Informação (SNI), datado de 6 de maio de 1980, descrevia os esforços de militantes comunistas para doutrinar estudantes e utilizar o movimento para fazer pressão política contra o regime, destacando a participação de ativistas de organizações como a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos.

Entre as lideranças secundaristas citadas, destacam-se Francisco (Chico) Cavalcante, que se tornaria um dos principais dirigentes da CS no Pará, e outros como Rosa Meireles e os irmãos Aldenor Júnior e Raimundo Luís Araújo.

A Resistência e o Contexto Histórico

A Lei de Segurança Nacional foi um instrumento utilizado para silenciar dissidentes e criminalizar organizações que se opunham ao regime militar. Em Belém, a Convergência Socialista não foi a única a sofrer repressão; outras organizações e indivíduos também enfrentaram perseguições.

A Livraria Jinkings, foco de resistência política, foi invadida, os proprietários da Gráfica Suyá, que publicavam o jornal Resistência, foram processados, e líderes religiosos foram expulsos do país.

A Comissão Nacional da Verdade (CNV), criada em 2011, revelou a extensão da repressão no Norte do Brasil, frequentemente negligenciada nos relatos oficiais. Os relatórios da CNV indicaram que a região amazônica foi palco de perseguições brutais, incluindo torturas e desaparecimentos de militantes. O caso da Convergência Socialista em Belém é emblemático da repressão continuada, que buscava eliminar qualquer resistência.

Apesar das ameaças, os militantes da CS continuaram sua luta. Durante os dois anos do processo legal, muitos foram vigiados e perderam seus empregos. Contudo, o julgamento em 1984 expôs a fragilidade das acusações. O advogado da Anistia Internacional, Carlos Castro, desmontou a narrativa militar, utilizando a história do Brasil na Segunda Guerra Mundial para legitimar a luta contra a opressão.

Ainda Estou Aqui: A Arte como Ferramenta de Memória

O filme “Ainda Estou Aqui”, premiado nacional e internacionalmente, convida à reflexão sobre o clima de medo e coragem que permeou a ditadura militar no Brasil. Ambientado em um contexto tenso, similar ao vivido pelos militantes da CS, o filme utiliza elementos reais para destacar a importância da memória histórica e manter viva a luta daqueles que enfrentaram o regime.

O Brasil apresenta um atraso significativo na responsabilização das repressões durante a ditadura. Enquanto países como Argentina, Chile e Uruguai condenaram seus torturadores, o Brasil falha em responsabilizar os autores de crimes cometidos no período militar. Relembrar episódios como a invasão da sede da CS e a prisão de seus militantes em Belém é fundamental para reivindicar justiça e preservar a memória histórica.

A Comissão Nacional da Verdade, ao divulgar seus relatórios, enfatizou que o país deve às vítimas do regime um processo de responsabilização efetiva. As Caravanas da Verdade de 2013 reconheceram a Convergência Socialista como um grupo perseguido pela ditadura, com integrantes submetidos a vigilância, prisão e tortura. Segundo o relatório final da CNV, mais de 400 pessoas foram mortas ou desapareceram durante a ditadura.

O caso da repressão à Convergência Socialista no Pará e o enquadramento de seus militantes é um dentre tantos que não podem cair no esquecimento, para que as antigas e as novas gerações sejam devidamente informadas sobre o que verdadeiramente ocorreu nesse triste período da nossa história e para evitar que se repita.