O presente texto traz elementos do programa de governo sobre segurança pública, apresentados pela campanha do PSOL na disputa à Prefeitura Municipal de Salvador, que conquistou uma importante vitória política ao terminar a eleição em segundo lugar, deixando para trás o candidato do MDB apoiado pelo governo do estado da Bahia – PT.
Entre os diversos temas que dominaram a cena eleitoral na capital baiana, além do debate sobre mobilidade urbana, no qual nossa campanha trouxe para o centro da discussão a tarifa zero, o tema da segurança pública possibilitou um importante debate diante das posições do candidato da situação na prefeitura, liderado pelo União Brasil e o candidato do MDB que assumiram uma postura de se desresponsabilizar pelos altos índices de violência registrados na cidade. Em oposição, defendemos em nosso programa que o município é a instância do poder público mais próximo do cidadão e da cidadã e, justamente por isso, deve ter papel estratégico na execução de políticas de enfrentamento à violência; que hoje é um fenômeno percebido em todas as grandes cidades.
Assim, há algum tempo os limites da competência estadual vem sendo reconfigurado, destacando a importância e necessidade da responsabilidade das gestões municipais no enfrentamento ao crime e à violência.
Dito isso, as eleições municipais de 2024 produziram debates acalorados envolvendo os poderes municipal e estadual. Na Bahia, onde duas forças politicas disputam hegemonia e governam o Estado e a capital soteropolitana, o debate sobre responsabilidade em relação aos índices de violência em Salvador ganhou contornos de acusações e responsabilização mútua, desviando o foco para a questão central que é a opção de ambos os grupos por medidas violentas, focadas na ação letal das forças de segurança e por medidas populistas que visam atender os anseios da opinião pública com respostas superficiais que não focam na questão central que envolve a desigualdade e a marginalização de grupos sociais subalternizados.
De acordo com dados do Observatório Anual da Violência, Salvador, nos últimos anos, tem liderado os índices nacionais de violência, superando a cada ano seus próprios indicadores que avaliam o crescimento da violência no Brasil. Enquanto a cidade tem o maior número absoluto de mortes violentas, a polícia baiana se tornou a mais letal do Brasil, vitimando em sua maioria, jovens negros. Assim, a combinação desse dado, com a condição de Salvador ter mais de 80% da população negra, não pode ser entendido como mera coincidência.
Desde o período do Pós-Abolição que as pessoas negras têm sido alvo da política eugenista, de aspiração fascista, que forjou o modelo de sociedade pensada pelas elites que construíram a República, no qual a população negra foi tratada como indesejada, sendo alvo de políticas de criminalização e exclusão social.
Essa realidade se reflete de forma violenta na política de encarceramento. De acordo com dados da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado da Bahia, em dezembro de 2024 a população carcerária já ultrapassava o número de treze mil pessoas, sendo a maioria composta por homens negros. Os dados sobre feminicídios também são alarmantes: de 2017 a 2023 a Bahia registrou 672 feminicídios. Isso significa dizer que uma mulher foi vítima letal de violência de gênero a cada três dias. Em média, os feminicídios cresceram 7,6% ao ano. Esses dados são atribuídos pelo governo municipal à má gestão da política de segurança pública no âmbito do Estado.
Há diversos estudos que atestam, por exemplo, que a diminuição da desigualdade social produz consequência direta na redução da criminalidade
A omissão da Prefeitura Municipal de Salvador frente ao problema da segurança pública que penaliza a cidade se apoia no texto da Constituição Federal de 1988, que limita a atuação das prefeituras à criação de guardas municipais com atribuição de proteção dos bens e patrimônios. Entretanto, há diversos estudos que atestam, por exemplo, que a diminuição da desigualdade social produz consequência direta na redução da criminalidade, ou seja, de fato, o poder municipal deve estar comprometido com o enfretamento à violência urbana.
Essas políticas que visam impactar nas condições sociais e econômicas da população, de caráter transversal, devem estar presentes nas diversas áreas da política municipal e somar-se ao compromisso geral de diminuição dos índices de violência, o que torna o município um importante agente no enfrentamento ao problema.
Por outro lado, é imprescindível superar as políticas comuns, focado na expansão de equipamentos policiais, armamentos e viaturas e adotar uma metodologia de segurança pública associada à garantia dos direitos humanos e bem estar social.
Se o processo eleitoral foi um importante espaço para pautar o debate sobre segurança e disputar a consciência da população para a urgência na mudança da politica de segurança, não devemos nos distrair da necessidade de seguirmos focando na organização popular como instrumento de luta para continuar resistindo a política genocida implementada pelas elites brasileiras.
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Professor de Sociologia; fundador do Movimento Policiais Antifascistas e Coordenador Geral da Federação dos Trabalhadores do Estado da Bahia (FETRAB); Segundo colocado para Prefeito de Salvador em 2024.