Há uma grande expectativa sobre o legado que a COP 30, a ser realizada em Belém (PA) em novembro de 2025, durante 15 dias, deixará para a população da cidade e do estado e particularmente quanto às resoluções efetivas para contenção das mudanças climáticas, especialmente depois do fracasso ou dos resultados decepcionantes da COP 29, realizada em Baku, no Azerbaijão, em novembro de 2024. A COP 30 pode virar apenas um gigantesco festival, sem resoluções efetivas para controlar as mudanças climáticas. A “viagem de Baku a Belém” já não foi boa, pois as negociações de lá para cá pouco avançaram.
Os governos e a população da cidade vivem em grande expectativa. São esperados no mínimo 50.000 visitantes para o encontro, que com certeza vão impulsionar o turismo e a economia do estado durante o evento. Eles sairão encantados com as cores e comidas da Amazônia e poderão voltar no futuro.
Quem conseguir chegar a Belém deverá encontrar uma cidade cheia de encontros diplomáticos de altas autoridades mundiais, com belos – mas falsos – discursos sobre a contenção da ameaça ambiental. A cidade vai virar também uma grande feira de exposições, cheia de estandes de governos municipais e estaduais e de empresas, querendo mostrar serviços ambientais, o que na realidade de fato não fazem na construção de respostas efetivas para a contenção da crise climática. Setores do capital vão se fantasiar de verde, mas depois da COP seguirão com a lógica do seu sistema, que só pensa no lucro.
Por exemplo, o governo do estado do Pará, um dos campeões em desmatamento no país, busca se antecipar aos seus críticos que cobrarão, com certeza, durante os debates, mais do que conversa fiada verde dos governantes. O Pará tinha, em 2023, o segundo maior rebanho bovino do país, com 25 milhões de animais, 10,5% do rebanho nacional, ao custo de ser um dos maiores devastadores da Amazônia, com desmatamentos e queimadas.
Com certeza a cidade também estará cheia de plenárias e manifestações dos movimentos sociais e ambientais que acorrerão em massa à cidade. Por todo o país, esses movimentos preparam caravanas para irem a Belém cobrar dos governantes mais do que discursos. O problema tem sido conseguir alojamento na cidade, pois a diária de um simples cômodo de um hotel médio já está custando até R$ 3.000,00. A saída será conseguir alojamentos coletivos em escolas públicas, sindicatos etc.
Espera-se também uma Belém em parte renovada. Para adequá-la ao super evento, o governo federal promete investir R$ 4,7 bilhões nesse ano nas mais diferentes obras de infraestrutura, incluindo algumas bem básicas, como construção de grandes prédios próprios para abrigar o encontro, aterros, ampliação de ruas, saneamento de esgoto, drenagem de águas pluviais, entre outras ações.
A pergunta nessa direção é: esses avanços serão duradouros e localizados na área do encontro ou beneficiarão também a população pobre do estado? A resposta parece clara e vai na segunda direção. Muitas populações ribeirinhas, que vivem na extrema pobreza a apenas poucas dezenas de quilômetros de Belém, plantadores de açaí, cupuaçu e outros produtos da mata, que serão tão festejadas nas alegres e coloridas excursões de turistas brancos à floresta durante o evento, continuarão depois do encontro sem coisas tão básicas como água tratada, postos de saúde etc.
Já os povos indígenas dizem que não basta fazer uma COP de 15 dias, construir alguns prédios em Belém com os bilhões do governo federal, beneficiar apenas as construtoras, a rede hoteleira, mas com sua situação continuando a mesma depois do encontro. Eles exigem escolas, postos de saúde, médicos, água tratada nas aldeias, demarcação definitiva de suas terras. Querem fazer parte da repartição do bolo. Afinal, qual será o ganho para eles da “COP da floresta”, como está sendo chamada a COP 30? Se os interesses desses povos não forem levados em conta, poderá ser socialmente nulo.
Por todo o país, esses movimentos preparam caravanas para irem a Belém cobrar dos governantes mais do que discursos.
A questão central que estará em discussão em Belém, no entanto, como esteve em Baku e em outros encontros ambientais internacionais anteriores, é: quem pagará mais pelo custo de contenção das mudanças climáticas? Os países ricos, maiores responsáveis pela crise ambiental, assumirão sua responsabilidade e contribuições financeiras mais elevadas para a contenção delas?
Em Baku, houve um “compromisso”, considerado muito tímido, de contribuição de US$ 300 bilhões por ano dos países mais ricos, até 2035, para a adaptação climática dos países em desenvolvimento. Esse valor é três vezes superior ao acertado na COP 15, da Dinamarca, em 2009, mas ainda está muito distante dos US$ 1,3 trilhão/ano até 2035, considerado como o mínimo indispensável para manter o aumento da temperatura dentro do limite de 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais, como aprovado no Acordo de Paris, em 2015. Além disso, não ficaram claras as parcelas de cada país na divisão desses US$ 300 bilhões por ano, o que deixa tal compromisso como vago.
Outro ponto em discussão na COP 30 será sobre as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês), isto é, as metas que cada país precisa apresentar quanto à redução de suas emissões de Gases de Efeito Estufa (GEES). Os países europeus, a China, grandes emissores, têm relutado, sido lentos, em assumir compromissos nesta direção. Nesse item, a COP 30 poderá se beneficiar de uma boa coincidência. De acordo com um protocolo da ONU, os países precisam apresentar suas atualizações de NDCs a cada cinco anos. E a próxima revisão precisa ser justamente em 2025, o que pode obrigar os países a chegarem a Belém com esses números.
Como anfitrião do encontro, o Brasil precisará mostrar algum avanço nesta direção. Tem que mostrar que vem fazendo alguma lição de casa. O país é quinto maior emissor de GEES do planeta. Tem o maior rebanho bovino do mundo, com 240 milhões de cabeças, 1/5 do rebanho mundial, que emitem centenas de milhares de GEES por ano. Pelo mau uso do solo, o país é também o maior emissor de gases por queimadas, a maior fonte de emissão do país. Já possui também uma frota de mais de 100 milhões de veículos automotores.
Por todo o país, esses movimentos preparam caravanas para irem a Belém cobrar dos governantes mais do que discursos.
Sabendo que será mais cobrado na COP 30 e para poder ter algum protagonismo em um encontro realizado em seu próprio território, o país se adiantou e divulgou recentemente uma NDC mais ousada. Na última, em 2020, apresentou uma meta de reduzir suas emissões em 53,1% até 2030, com base nos patamares de 2005. Vai chegar a Belém com um novo compromisso, de redução entre 59% e 67%. Mas sabemos que o papel aceita que se escreva tudo. Já cumprir essas metas é outra história. Veremos nos próximos anos.
Há outro fantasma que vai pairar e pode esvaziar a COP 30: o papel, o possível boicote e a atitude negacionista de Trump na questão climática. Como maior produtor de combustíveis fósseis do mundo, os EUA só perdem para a China em emissões de GEES. Com Joe Biden, havia um compromisso de NDC entre 33% e 50% até 2035. Dificilmente os EUA vão chegar a Belém com uma meta superior ou mesmo igual a essa. Isso se Trump não debochar da COP 30.
A conclusão de tudo o que dissemos aqui é que a COP Belém estará dividida entre duas questões centrais. Primeiro, se será apenas um grande festival turístico, com grandes transatlânticos de luxo às portas de Belém, deixando algum saldo para a cidade em termos de infraestrutura e bons lucros para as construtoras e a rede hoteleira, ou se vai mudar em algo a realidade de pobreza e miséria do povo paraense, da população ribeirinha e dos povos indígenas.
Em segundo, se aprovará medidas efetivas contra as mudanças climáticas, com compromissos efetivos e mais elevados dos países ricos de custear o controle da crise ambiental e de reduzir suas emissões de GEES ou se o encontro se transformará apenas em um palco para belos discursos dos governantes. Sem avançar de fato nessas duas questões, a COP de Belém poderá se transformar apenas em um grande circo de lona verde.
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Professor da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte). Ex-vereador de Natal. Fundador do PSOL.