A questão da violência de gênero no Brasil e no mundo está intimamente ligada a estruturas de poder e dominação que perpassam a história humana. A cada dia, vemos relatos alarmantes que evidenciam a brutalidade da opressão que mulheres enfrentam em diversas esferas de suas vidas, seja no espaço familiar, no trabalho, e nas ruas. As bases materiais da violência de gênero, portanto, não são meramente pontuais, mas emergem de um sistema patriarcal profundamente enraizado e historicamente construído, e que se alimenta de desigualdades sociais, econômicas e culturais, postas pela reprodução social.
O patriarcado, como estrutura social, é caracterizado pela predominância de valores, normas e práticas que localizam os homens em posição de superioridade em relação às mulheres. Tal aspecto fundamentado nesse processo hierárquico, retroalimentam e “explicam” não apenas a desigualdade econômica e política, mas também a violência física e psicológica como forma de controle e opressão. Assim, a violência de gênero torna-se um meio de reforçar essa estrutura posta pelo patriarcado, em que o corpo da mulher é visto como um espaço de opressão e dominação.
Em sua luta por igualdade, os movimentos feministas têm se mobilizado para desmontar essas estruturas opressivas da sociedade, e isso traz em si uma árdua batalha contra um sistema ideológico dominante perpetuado pelo patriarcado e pelo Capital. Nesse sentindo, os movimentos feministas travam lutas cotidianas pelos direitos reprodutivos, por igualdade e, sobretudo, contra as opressões que incidem sobre as nossas vidas e nossos corpos. Essa resistência não ocorre em um vácuo; ela é alimentada pelas realidades materiais das mulheres, que, muitas vezes, enfrentam múltiplas formas de opressões, simultaneamente.
As bases materiais da violência de gênero revelam que essa questão está intrinsecamente ligada à pobreza, à exclusão social e ao racismo. Mulheres negras, por exemplo, enfrentam índices de violência significativamente mais elevados em comparação com aquelas que pertencem a grupos raciais privilegiados. Isso demonstra que a luta feminista não pode se limitar a uma abordagem única, e portanto, deve considerar as interseccionalidades que caracterizam a experiência feminina, reconhecendo que a luta contra o patriarcado é também uma luta contra o racismo, a homofobia e outras formas de opressão.
Historicamente, o feminismo tem se desdobrado em diversas ondas, cada uma refletindo as necessidades e as demandas específicas das mulheres em seus contextos sociais. A primeira onda, no final do século XIX e início do século XX, concentrou-se principalmente em questões de direitos civis e sufrágio. A segunda onda, nos anos 1960 e 1970, trouxe à tona as questões de reprodução e sexualidade, ao passo que a terceira onda, emergente na década de 1990, ampliou o foco para a diversidade entre as mulheres, desafiando a universalização da experiência feminina.
No Brasil, o movimento feminista ganhou força especialmente a partir da década de 1980, no contexto da redemocratização do país. As mulheres, que sempre tiveram um papel ativo nas lutas políticas e sociais, começaram a articular suas demandas de maneira mais organizada, pressionando por uma agenda que integrasse os direitos das mulheres nas políticas públicas. Os avanços foram significativos, resultando em legislações como a Lei Maria da Penha, que visam combater a violência doméstica, embora a implementação eficaz ainda seja um desafio contínuo.
Entretanto, esses avanços também foram acompanhados por uma reação conservadora, que busca manter as estruturas patriarcais intactas. A resistência do patriarcado se manifesta através da deslegitimação do feminismo, da disseminação de discursos machistas e da minimização da importância da luta pelos direitos das mulheres. É nesse contexto que o enfrentamento à violência de gênero se torna uma batalha não apenas por justiça e equidade social, mas também por uma mudança cultural que desafie as normas tradicionais de masculinidade e feminilidade.
Além das ações de conscientização e das mobilizações sociais, é fundamental considerar as dimensões econômicas e materiais da violência de gênero. Muitas mulheres permanecem em relacionamentos abusivos devido à dependência financeira de seus parceiros. Essa realidade, dentro da perspectiva da sociedade capitalista, exige uma abordagem que promova a autonomia feminina por meio da educação, do acesso a empregos dignos e da proteção social. O fortalecimento da rede de apoio, que inclui serviços de atendimento às vítimas, é crucial para proporcionar alternativas que possibilitem a ruptura do ciclo de violência.
A luta feminista no contra a reprodução do patriarcado é, portanto, uma construção coletiva que busca transcender as barreiras impostas pela desigualdade de gênero. Ao unir as vozes de mulheres de diferentes classes sociais, etnias e contextos, o feminismo se torna uma força poderosa para a transformação. Em um mundo onde a violência de gênero persiste como um dos principais obstáculos à igualdade, a mobilização social e a pressão por políticas públicas eficazes se apresentam como instrumentos indispensáveis.
Assim, entender as bases materiais da violência de gênero e a luta feminista contra a reprodução do patriarcado é essencial para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. É um chamado à ação para que todos se comprometam a por fim nas estruturas opressivas que perpetuam a violência, em busca de um futuro no qual todos os seres humanos possam viver com dignidade, num mundo livre e emancipado.
Uma análise histórico-material da violência de gênero na reprodução social
A violência contra as mulheres é um fenômeno complexo, persistente e estrutural, que atravessa a história das sociedades humanas. Para compreendê-la em sua profundidade, é necessário ir além de uma análise individualizada ou moralista, e inseri-la dentro de um contexto histórico e materialista das relações sociais. Sob essa perspectiva, contribuições teóricas como as de Friederich Engels e Heleieth Saffioti são fundamentais. Ambas abordagens, ainda que separadas por tempo e contexto, convergem na compreensão da violência de gênero como um produto das relações materiais de produção e reprodução social, além da divisão sexual do trabalho.
Engels, em sua obra “A origem da família, da propriedade privada e do Estado” (2012), propôs que a opressão das mulheres não era natural ou biológica, mas um produto histórico decorrente da transformação das estruturas sociais com o advento da propriedade privada. Segundo o autor, a transição do comunismo primitivo para uma sociedade baseada na propriedade privada e na herança patrilinear marcou a “derrota histórica do sexo feminino”. Nessa nova configuração social, os homens passaram a controlar os meios de produção e, por consequência, as relações familiares e sexuais. A família monogâmica surgiu como uma instituição que garantisse a transmissão da propriedade através da linhagem masculina, institucionalizando a submissão da mulher e naturalizando sua violência.
Essa leitura materialista da opressão feminina foi aprofundada e contextualizada para a realidade brasileira por Heleieth Saffioti, socóloga e marxista feminista. Em “A mulher na sociedade de classes: mito e realidade” (2013), Saffioti apontou como a violência contra as mulheres é um fenômeno estruturado na articulação entre capitalismo e patriarcado. A nossa autora assevera que, a exploração de classe se entrelaça com a opressão de gênero, e é nesse cruzamento que se produz uma realidade material onde a violência é não apenas permitida, mas funcional para a manutenção da ordem social.
Nesse sentido, Saffioti em suas obras buscou descrever a fusão entre os sistemas de dominação do patriarcado e do capital, apontando para o protagonismo desse sistemática para o processo de dominação social. Para ela, o capitalismo se apropriou do patriarcado tradicional e o modernizou, mantendo as mulheres em posições de subordinação tanto no espaço público quanto privado. No lar, as mulheres seguem sendo principais responsáveis pelo trabalho doméstico e reprodutivo, geralmente não remunerado e invisível; no mercado de trabalho, ocupam cargos precarizados, mal remunerados e de baixa valorização social. Essa divisão sexual do trabalho sustenta uma economia baseada na exploração das mulheres, e a violência é uma das ferramentas para assegurar sua continuidade.
A violência contra as mulheres, portanto, não é um resquício de sociedades atrasadas ou uma distorção dentro da ordem capitalista, tendo em vista que ela é parte integrante de sua lógica. Seja na forma física, psicológica, sexual, patrimonial ou simbólica, a violência atua como mecanismo de controle social, mantendo as mulheres em condições de vulnerabilidade, dependência e medo. A naturalização da violência tem bases históricas profundas e está diretamente relacionada à organização material da sociedade.
Sob a perspectiva de Engels, podemos perceber que a família patriarcal moderna, longe de ser um espaço de afeto e proteção, é muitas vezes um local de opressão e violência. O domínio masculino dentro da família é um reflexo da divisão de classe e da propriedade privada. Portanto, essa família é vista como uma unidade de produção e reprodução do capital, na qual a mulher é explorada duplamente: como trabalhadora e como corpo feminino reprodutor.
A história nos desvela que os momentos de crise econômica e instabilidade social costumam intensificar a violência contra as mulheres. Isso ocorre porque, em contextos de tensão, como em situações de perda de empregos, guerras ou crises, muitos homens reafirmam sua autoridade simbólica através da violência doméstica. A sociedade patriarcal e capitalista tolera e legitima essas práticas de dominação. O corpo da mulher é tratado como extensão da propriedade masculina, e seu controle torna-se sinônimo de honra ou virilidade.
Para enfrentar essa problemática de forma efetiva, é preciso atingir suas raízes materiais e estruturais. Isso significa questionar a organização da família, a divisão sexual do trabalho, a concentração da propriedade e a desigualdade de gênero em todas as esferas da vida social. Na sociabilidade capitalista, os programas de assistência e a legislação protetiva são importantes, mas insuficientes se não vierem acompanhados de uma transformação das condições materiais que sustentam a opressão feminina.
No Brasil, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), por exemplo, representa um marco jurídico no combate à violência doméstica, mas se depara com diversos entraves em sua aplicação devido à resistência institucional, à falta de recursos e à persistência de valores patriarcais entre os operadores do direito. Sem uma mudança radical nas estruturas das relações sociais, econômicas, culturais, ambientais e políticas, as medidas postas pelo Capital para dirimir os conflitos continuaram atuando para a manutenção do status quo.
Portanto, a violência contra as mulheres é um problema histórico que se reproduz através das relações sociais de produção, e não será superado sem uma profunda transformação dessas relações. A análise de Engels oferece os fundamentos teóricos para entender a gênese da opressão, enquanto a obra de Saffioti nos permite compreender como essa opressão se atualiza e se complexifica em contextos específicos, como o brasileiro.
A luta contra a violência de gênero, portanto, é também uma luta anticapitalista. Exige a construção de uma nova ordem social, baseada na igualdade, na solidariedade e no reconhecimento pleno da humanidade das mulheres. Nesse caminho, a contribuição de intelectuais como Engels e Saffioti segue sendo fundamental para iluminar as tramas ocultas da opressão e apontar possibilidades reais de emancipação.
A importância da luta feminista no enfrentamento à opressão de gênero
O sistema de opressões contra as mulheres permanece como uma das formas mais sistemáticas e persistentes de violação de direitos humanos em todo o mundo. Suas raízes são profundas e articuladas com estruturas sociais, econômicas, culturais e políticas que historicamente inferiorizaram o feminino. Diante dessa realidade, a luta feminista classista se apresenta não apenas como uma reação, mas como uma força revolucionária na luta contra as opressões do mundo do capital, que também o mundo do patriarcado.
Nessa perspectiva, temos Heleieth Saffioti, uma das pioneiras no Brasil a articular o feminismo com a teoria marxista, propondo uma análise materialista da opressão de gênero. Em sua obra A mulher na sociedade de classes (2013), já mencionada anteriormente, nossa autora enfatiza que a opressão das mulheres está diretamente relacionada ao modo de produção capitalista, o qual se articula com o patriarcado para explorar a força de trabalho feminina, tanto na esfera pública quanto na privada.
Para Saffioti, a opressão de gênero não pode ser compreendida isoladamente: ela é uma forma de dominação que se entrelaça com outras, como a opressão de classe e, no contexto brasileiro, com a opressão racial. A autora argumenta que o trabalho doméstico e reprodutivo realizado pelas mulheres é essencial para a reprodução da força de trabalho, mas não é reconhecido como trabalho produtivo pelo capitalismo. Esta invisibilidade contribui para naturalizar a subordinação feminina, relegando as mulheres ao espaço privado e ao papel de cuidadoras.
Portanto, a importância da luta feminista, para Saffioti, está justamente em tornar visível o que é invisível e politizar aquilo que tradicionalmente foi considerado “natural” ou “privado”. Ao desafiar a divisão sexual do trabalho, o feminismo questiona a lógica econômica e cultural que sustenta a desigualdade de gênero. Neste sentido, a luta feminista é uma luta anticapitalista, pois visa aniquilar as estruturas que exploram e oprimem as mulheres.
Transitando nessa mesma perspectiva radical, marxiana e classista, Silvia Federici, amplia a compreensão da opressão de gênero ao analisar historicamente como o corpo feminino foi controlado e subjugado desde o advento do capitalismo. Em sua obra Calibã e a Bruxa (2017), a autora propõe que a transição do feudalismo para o capitalismo implicou uma reorganização brutal das relações sociais, marcada por uma intensa repressão das mulheres, especialmente por meio das caças às bruxas.
A autora argumenta que o controle sobre o corpo das mulheres – sua sexualidade, fertilidade e trabalho reprodutivo – foi uma condição necessária para o surgimento do capitalismo. A violência sistemática contra as mulheres não foi um efeito colateral da modernidade, mas sim uma estratégia deliberada para disciplinar os corpos e submeter as mulheres a um novo regime de produção. A maternidade, a sexualidade e o trabalho doméstico passaram a ser regulados de forma a servir aos interesses do capital.
Dessa forma, o feminismo, precisa ser um movimento de resistência não apenas contra o patriarcado, mas também contra a lógica capitalista que transforma o corpo das mulheres em campo de exploração. A luta feminista, neste contexto, é uma luta por autonomia corporal, por liberdade sexual e por reconhecimento do trabalho reprodutivo como elemento central da economia.
Tanto Saffioti quanto Federici propõem uma crítica radical à forma como o capitalismo se beneficia da opressão de gênero. Embora partam de contextos diferentes – Saffioti no Brasil, com forte influência da luta de classes e da realidade latino-americana; Federici na Europa, com foco na história da acumulação primitiva – ambas convergem na ideia de que o feminismo precisa questionar a fundo as bases materiais da opressão.
Elas afirmam que a luta feminista não é apenas uma luta por direitos civis ou igualdade formal, mas uma luta por transformação estrutural da sociedade. O reconhecimento do trabalho doméstico, a redistribuição das tarefas de cuidado, o direito ao próprio corpo e a superação da divisão sexual do trabalho são bandeiras que exigem mudanças profundas na forma como o trabalho, a produção e a reprodução são organizadas.
Nesse sentido, a importância da luta feminista reside em seu potencial de transformação social. Ao colocar no centro da política temas historicamente marginalizados – como a violência doméstica, a desigualdade salarial, o aborto, a divisão do trabalho – o feminismo amplia a noção de justiça social e propõe um novo modelo de sociedade baseado na solidariedade, na igualdade e no reconhecimento das diferenças.
As lutas feministas contemporâneas continuam a enfrentar desafios imensos, como o avanço do conservadorismo, a precarização do trabalho, a violência de género e a mercantilização do corpo feminino. No entanto, essas lutas também têm demonstrado uma capacidade impressionante de mobilização, articulação e reinvenção. Os movimentos feministas têm sido fundamentais para denunciar o feminicídio, para defender políticas públicas de combate à violência contra a mulher, para reivindicar creches, salários iguais e acesso à saúde reprodutiva. Mais do que nunca, o feminismo se mostra essencial para enfrentar a crise das instituições democráticas, pois coloca a vida no centro da política.
Portanto, a luta feminista, revela-se uma ferramenta poderosa de análise e de transformação da sociedade. Mais do que um conjunto de reivindicações, o feminismo é uma prática política que desafia as formas tradicionais de poder, que propõe novas formas de organização social e que luta pela dignidade de todas as pessoas. Em tempos de retrocessos e ameaças aos direitos conquistados, lembrar da importância da luta feminista é reafirmar o compromisso com a justiça, a igualdade e a liberdade.
Brasil e o aumento da violência contra as mulheres
Nos últimos anos, o Brasil tem enfrentado um aumento alarmante na violência contra a mulher, com o feminicídio se destacando como uma das mais graves expressões dessa violência de gênero. Entre 2023 e 2025, essa problemática se intensificou, refletindo não apenas um panorama de desigualdade social e de gênero, mas também a necessidade urgente de políticas públicas efetivas e de conscientização social.
Diversos fatores têm contribuído para o aumento da violência contra a mulher no Brasil, um deles é a persistência de uma cultura patriarcal, que se manifesta de várias formas na sociedade brasileira. Essa cultura é alimentada por discursos que minimizam a gravidade da violência de gênero, ao mesmo tempo em que perpetuam a ideia de que o controle sobre o corpo e a vida das mulheres é aceitável. O machismo, que se apresenta em diversas facetas, desde a educação até as relações pessoais, tem sido uma barreira significativa no combate à violência.
A situação é particularmente alarmante em um cenário pós-pandêmico, onde as consequências da pandemia de COVID-19 ainda reverberam na sociedade. Durante o período de isolamento social, muitos casos de violência doméstica aumentaram, com mulheres obrigadas a conviver com seus agressores em ambientes domésticos, sem o suporte usual da rede de apoio. Embora tenha havido um aumento na denúncia de casos, em grande parte impulsionado por campanhas de conscientização, as dificuldades para o acesso à justiça permanecem, com um sistema que frequentemente falha em proteger adequadamente as vítimas.
Entre 2023 e 2025, os números de feminicídios, que são homicídios de mulheres motivados por razões de gênero, registraram uma elevação preocupante. Dados de estatísticas oficiais e de organizações da sociedade civil revelam que, ao longo desse período, o Brasil viu um crescimento gradual e preocupante nas taxas de feminicídio em várias regiões. As vítimas, em sua maioria, são mulheres que já haviam vivenciado outras formas de violência, evidenciando a escalada que muitas vezes precede o ato letal. Essa dinâmica ressalta a importância de mecanismos de proteção mais eficientes para aquelas que estão em situações de risco.
De acordo com o Ministério das Mulheres, em 2024, foram registrados 1.450 casos de feminicídio no Brasil, um aumento em relação aos 1.438 casos de 2023. Além disso, mais de 71.000 casos de estupro foram notificados no mesmo ano, representando cerca de 196 casos por dia. A violência doméstica também apresentou crescimento, com 258.941 vítimas mulheres em 2023, um aumento de 9,8% em relação a 2022.
A violência sexual também apresenta números preocupantes. Em 2024, foram registrados 71.892 casos de estupro de mulheres, o que equivale a 196 ocorrências por dia. Embora tenha havido uma queda de 1,44% em relação a 2023, esses dados revelam a magnitude do problema e a necessidade de políticas públicas eficazes para enfrentá-lo
Algumas das causas para tais registros, estão fundamentados na redução significativa no investimento em programas de enfrentamento à violência contra a mulher, nos últimos anos. Esse desmonte fragilizou serviços essenciais, como casas de acolhimento e centros de atendimento, dificultando o acesso das vítimas a suporte adequado. Outro aspecto fundamental, está centrado no complexo ideológico marcado por uma cultura que naturaliza a violência contra a mulher e reforça estereótipos de gênero. Essa mentalidade contribui para a perpetuação da violência e dificulta a denúncia por parte das vítimas. Por último, e não menos importante, está ascensão de discursos ultraconservadores e de ódio, que deslegitimam pautas de igualdade de gênero e direitos das mulheres tem contribuído para o retrocesso em políticas públicas e para o aumento da violência.
Nessa perspectiva, a falta de políticas públicas adequadas e a resistência cultural em abordar a questão da violência de gênero também jogam um papel fundamental nesse aumento. As campanhas educativas, embora necessárias, muitas vezes não são suficientes para transformar uma mentalidade enraizada que normaliza a violência. No entanto, houve um movimento crescente por parte de grupos feministas e organizações não governamentais que têm lutado por mudanças estruturais na legislação e pela implementação de políticas que visem a proteção e o empoderamento das mulheres.
Outro aspecto importante a ser considerado é a relação entre a violência contra a mulher e outras formas de violência social. O aumento da violência urbana, somado a crises econômicas e políticas, exacerba a vulnerabilidade das mulheres, que se tornam alvos mais fáceis em um ambiente já marcado pela desigualdade e pela injustiça social. A interseccionalidade, que considera as múltiplas camadas de opressão que uma mulher pode enfrentar — como raça, classe e sexualidade —, se torna essencial para a compreensão da maior repercussão da violência em certos grupos, especialmente as mulheres negras e aquelas em situação de vulnerabilidade econômica.
O papel da mídia também não pode ser ignorado nesse panorama. Embora haja maior cobertura dos casos de feminicídio, muitas vezes essa cobertura se dá de forma sensacionalista, o que pode desvirtuar a importância da questão e transformar as vítimas em meras estatísticas. A maneira como a mídia reporta esses casos influencia a percepção pública sobre a violência de gênero e a urgência do tema, evidenciando a necessidade de um jornalismo mais responsável e comprometido com a Educação e a conscientização.
Entre as medidas que têm sido discutidas para combater a violência contra a mulher e o feminicídio, destaca-se a importância de promover a educação de gênero nas escolas, criando um ambiente que favoreça o respeito e a igualdade desde a infância. A sensibilização para a questão da masculinidade saudável é igualmente relevante, promovendo debates que incentivem homens e meninos a refletir sobre seus papéis na sociedade e a se posicionar contra a violência.
Nos últimos anos, houve um esforço significativo, mas não tanto eficaz, tendo em vista que problema estrutural só se dirime a partir dos rompimentos dessas estruturas, para implementar plataformas que ofereçam suporte às vítimas, como delegacias especializadas e aplicativos que permitem denúncias de forma segura e discreta. Essas iniciativas, diante de um problema que é estrutural da sociabilidade capitalista e patriarcal, esbarra nos limites materiais e ideológicos, impostos pelo próprio sistema.
Mas apesar dos limites, a luta contra as violências e a opressão não pode cessar, e os movimentos sociais têm sido cruciais nesse cenário, organizando campanhas que não apenas visam a conscientização, mas também pressionam por mudanças legislativas, que apesar de pontuais, minimizam os impactos no cotidiano das mulheres. A mobilização em torno do Dia Internacional da Mulher, por exemplo, se tornou um espaço não apenas de protesto, mas de construção coletiva de propostas que buscam enfrentar a violência de gênero em suas raízes. Através de ações, marchas e eventos, as vozes femininas se fortalecem, criando uma teia de solidariedade e resistência.
Ainda assim, a luta contra a violência de gênero e o feminicídio requer uma luta contínua e cotidiana. A responsabilização dos agressores, a criação de produtos legais que protejam as vítimas e a promoção de uma cultura de respeito são passos fundamentais nesse caminho. A erradicação da violência contra as mulheres não é apenas uma questão de direitos humanos, mas uma condição essencial para a construção de sociedades mais justas e equitativas.
Ao iniciar uma discussão sobre o aumento da violência contra as mulheres e do feminicídio no Brasil de 2023 a 2025, é evidente que estamos diante de um problema complexo que demanda uma resposta urgentemente integrada e multidimensional. A história da luta das mulheres por seus direitos é longa e repleta de desafios, mas, ao mesmo tempo, é marcada por conquistas e pela resistência de muitas que se recusam a silenciar diante da opressão. O aumento da violência não deve ser visto apenas como uma estatística preocupante, mas como um chamado à luta contra as opressões sobre as nossas vidas e sobre os nossos corpos.
A luta feminista, portanto, é central no enfrentamento à violência contra a mulher porque oferece as ferramentas teóricas e práticas para compreender suas causas estruturais, denunciar suas expressões cotidianas e propor alternativas de transformação. Trata-se de uma luta que se dá em múltiplos níveis: jurídico, político, econômico, cultural e subjetivo. E que, por isso mesmo, exige a articulação entre teoria e prática, entre academia e movimento social, entre denúncia e proposição.
Em tempos de avanço do conservadorismo e de tentativas de deslegitimação das pautas feministas, reafirmar a importância dessa luta é um gesto de resistência. A violência contra a mulher não é um problema individual, mas uma expressão de uma ordem social desigual e hierarquizada. Combatê-la exige coragem política, solidariedade coletiva e compromisso com a construção de um mundo mais justo e igualitário. O feminismo, nesse sentido, não é apenas uma teoria ou um movimento: é uma prática ética e política de transformação.
REFERÊNCIAS
ENGELS, Friederich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 3 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2012.
FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. (Trad. Coletivo Sycorax). São Paulo: Elefante, 2017. SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. 3 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2013.
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Professora, pesquisadora, militante feminista classista do Fortalecer o PSOL e dirigente nacional das Mulheres do PSOL