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Gaza: o imperialismo não derrotou a resistência Palestina

O Acordo de Cessar-Fogo foi, sem dúvida, mais uma vitória política importante para os palestinos, tendo em vista a sequência de bravatas do governo Netanyahu quanto à liquidação física do Hamas como condição preliminar para qualquer interrupção do genocídio em Gaza, agora estendido a cidades da Cisjordânia.

AS imagens de troca de reféns que correram mundo, com as “reféns” israelenses risonhas, saudáveis e saltitantes, cercadas de forma gentil por militantes armados do Hamas, amplamente apoiados pela população local, ao mesmo tempo em que uma outrora linda Khalida Jarrar, deputada da Frente Popular de Libertação da Palestina, aparece, depois de 15 meses de prisão, como uma senhora décadas mais idosa, só reforçam a condição de pária que os partidários do colonialismo sionista começam a enfrentar no mundo diplomático internacional. E essa condição de pária isolado, também teve peso na pressão de Trump.

MAS isto não permite concluir que a marchemos para uma paz definitiva, ou mesmo para o estabelecimento de uma Palestina Livre e Soberana, como cenário de um final feliz.

OS SIONISTAS foram levados a aceitar esse recuo por conta da pressão de seu principal cúmplice no plano internacional, os Estados Unidos. Para o novo agente dos ditames de Wall Street e do complexo industrial-militar ianque, Donald Trump, esse acordo, assim como algo parecido que será imposto a Zelenski, boneco da ventríloqua OTAN, é algo necessário para que seu governo se concentre no que é o ponto fixo de Trump: o embate planetário com o núcleo dos BRICS, a China em particular.

E TAMBÉM para que avance na retomada do Canal do Panamá, que qualifica como propriedade dos States, atropelando o acordo em que o Estado panamenho passou a ser o administrador. É fundamental até para seu enfrentamento com a China, que considera como controladora absoluta daquela passagem entre dois oceanos, por empresas chinesas que administram os principais portos. E não será exagero incluir ainda nessa lista de prioridades a verdadeira compra da Groenlândia, onde os Estados Unidos já têm bases estratégicas, o que é uma preocupação a mais para os principais parceiros na OTAN, por quem Trump não mostra nenhum afeto. Que os europeus a banquem… é a linha do topetudo de Nova Iorque.

NETANYAHU se viu, portanto, obrigado à genuflexão, por não ter condições de se conflitar com quem lhe fornece, anualmente, mais de US$ 3 bilhões (segundo o próprio Trump, em declaração em seu mandato anterior), a fundo perdido. Repito, a fundo perdido. Seus dois ministros dissidentes, determinados na ocupação total do território Palestino, e do extermínio dos árabes que não aceitarem o desterro, Ben Gvir, da Segurança Nacional, e Smortrich, das Finanças, além de mais três de menos expressão, vão tensionar ao máximo para que as fases posteriores do Acordo – principalmente a que determinará o governo de Gaza após sua prometida reconstrução – já deixam claro. Não aceitam a retirada total das tropas, nem a possibilidade de o Hamas se manter no controle da região.

A questão Palestina se afirma como a grande tragédia da Humanidade, desde a implantação do Estado de Israel, em 1948. Culminava ali uma grande injustiça social e civilizatória, iniciada pela ação colonialista da França e da Inglaterra, no início do Século XX, com o Acordo Syke-Piquot e a Declaração Balfour. O Acordo, pelo acerto entre as duas grandes potências colonialistas sobre o destino dos países árabes após o fim da I Guerra Mundial. Embora prometessem independência caso se levantassem contra o domínio do Império Otomano, foi-lhes imposto uma condição legalizada pela Liga das Nações de se transformarem em subalternos protetorados desses dois impérios.

Já a Declaração Balfour, declaração em que o governo inglês via com olhar positivo a implantação de um Estado Judeu na Palestina, ela marcou a vitória concreta de algo planejado no final do século anterior, por uma obra do judeu austríaco, Theodor Herzk, “O Estado Judeu”, onde a ideologia do sionismo era transformada em guia de ação para a ocupação de um suposto “território sem povo”, por um “povo sem terra”.

Ou seja; era com uma grande falácia inicial que a burguesia judaica, assimilada em seus países, buscava solução para os problemas que lhe era apresentado, com o êxodo propiciado pelo czarismo contra as correntes revolucionárias – populistas e marxistas – no Império Russo.

Esse êxodo, para além de, do ponto de vista religioso, acirrar o antissemitismo religioso, trazia para dentro da colônia judaica o fantasma da luta de classes, tendo em vista que os que chegavam, como revolucionários, eram em grande parte judeus.

Netanyahu se viu, portanto, obrigado à genuflexão, por não ter condições de se conflitar com quem lhe fornece, anualmente, mais de US$ 3 bilhões, a fundo perdido.

Theodor Herzl, com o apoio financeiro do banqueiro inglês judeu, Rothschild, a quem havia sido enviada a Declaração Balfour, consegue ampla adesão à ideia, que também encontra apoio nesses exilados tratados como párias na Europa Ocidental, para a ocupação de uma terra intensamente povoada, onde viviam até então, em total harmonia, cristãos e judeus sob hegemonia ampla de muçulmanos.

Damos um salto na História, no período longo, marcado por compra de terras palestinas por entidades sionistas da Europa, e os conflitos que começam se dar por conta da ocupação territorial aí embutida.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a implantação formal do Estado Judaico ficou muito facilitada. Resolvia, na entrega da Palestina aos judeus, e a formação do Estado religioso, o pagamento pelo crime do Holocausto, que a burguesia europeia se sabia cúmplice, pela cobertura que deu, principalmente na Alemanha, na França e na França ocupada, destacadamente, à perseguição, prisão e assassinatos dos resistentes ao nazismo, comunistas e socialistas, principalmente, e ao projeto de extermínio de judeus.

O Povo Palestino pagaria, por eles, os crimes dos quais participaram ou foram cúmplices.

De lá, para cá, entre Intifadas e nefastos acordos de rendição – como o Acordo de Oslo, 1993 – mudanças radicais se deram na forma de resistir daqueles que não foram expatriados após terem sido expulsos de suas casas e sítios agrícolas, pelos colonos europeus que se implantaram no Estado gerado por decreto da ONU.

E no entendimento das mudanças geradas na cúpula política Palestina, simultânea ao consenso colonialista que orientava as lideranças judaicas independentemente de sua visão ideológica, está o caminho para a previsão do que possa vir a partir da assinatura desse Acordo de Cessar-Fogo, com a consequente interrupção temporária do genocídio da população civil em Gaza.

Quem poderá resistir, de fato, a uma quebra inevitável desse acordo, tão logo se estabeleça a fase de retirada das tropas de Gaza e do governo que serão então instalado?

O Fatah, partido tido como majoritário na Frente que compõe a OLP, dirigente da Autoridade Palestina consentida por Israel, enfraqueceu muito seu prestígio após a morte de Yasser Arafat. Este, que vinha sendo contestado por conta dos Acordos de Oslo, onde só foram atendidas as condicionantes israelenses – razão, por exemplo, da retirada de quadros importantes de sua direção, como Edward Said – foi sucedido por Mahmoud Abbas. Que, como Autoridade Palestina, apenas se ocupa da segurança interna da Cisjordânia, não para enfrentar os abusos dos postos de controle israelense espalhados pelo território, mas para policiar seu próprio povo quando este se propõe a enfrentamentos mais ousados contra os ocupantes.

No contraponto a essa organização de origem marxista, revolucionária, o Hamas, nascido e financiados por Estados Unidos e Israel exatamente para servir de freio, através de um assistencialismo forte, aos anseios de libertação nacional simultâneos a um Estado socialista, veio se transformando – pelo nacionalismo crescente – numa organização de resistência à ocupação sionista.

COMO se vê, a despeito de uma desproporcional desvantagem logística – Israel é possuidor de um dos maiores arsenais nucleares do planeta – a resiliência admirável do Povo Palestino, para além da incessante solidariedade internacionalista, que se sobrepõe, nas principais potências capitalista, a seus governo sabujos da hegemonia ianque, parece garantir aos palestinos uma infindável capacidade de ousar e de lutar. E a História mostra. Povos que têm tal obstinação e coragem dificilmente são batidos de forma irreversível.

  • Jornalista, ex-deputado, fundador e membro da Direção Nacional do PSOL.